O cais

Daquele cais eu nada quis levar. O dia era tarde e o vento como quem queria consolar, abraçava toda uma vida. Naquele mar deixei escapar não só saudade como também a vontade de amar. De tanto que você quis, de tanto fez questão, arranquei do peito novo todo aquele amor juvenil que outrora explodiu. Os anos passaram aos trancos por este corpo que agora não tem eira nem beira pra encostar. Foi no cais que eu esqueci de mim pra esquecer de você. Foi bem na hora da revoada que encontrei alivio. Paz pra essa velha vida errante que não viu na moradia a solução pra solidão. E se o amor não se perder, naquela garrafa mal tampada que deixei boiando, espero que encontre coração mais vivo e boêmio, porque este aqui, não quer mais brincar de guardar nem de sangrar.

Pássaro

Eu tinha belas asas.
Aquelas que você pegava emprestado,
pra dar vôos em outros ninhos
e trazer pra casa tristeza e novidade.
Eu costumava me empenhar
em tanto te esperar.
E foi cada dia mais demorada
essa sua volta amarga.
Cada vez mais fria
essa brisa que te trazia.
E já sem canto você me deixava em pranto.
Pedia sempre algo em troca de nada.
No surgir de qualquer pio
eu já não passava de ingrata.
Que mais querer além de sua volta?
Que mais pedir ou sentir?
Então já não sei o que esperar de mim.
Eu que já não quero voar.
Não pra ver o mesmo céu
que um dia mandei bordar de ouro pra te encantar.

Quando nasce um amor

Parece que a vida colocou seus passos em direção aos meus. O vento transpassa minha alma levando até você o melhor de mim. Ainda estamos longe, mas confiantes no bem de uma paixão. Esse caminho tem curvas, meu bem. Mas tem estrelas como nunca vistas antes, que ardem nos olhos e no peito. Não se perca nessa estrada, que ela é de mão única. Segue meu perfume, vai por esse cheiro que fica mais forte a cada manhã morna de esperança. Vem querido, nesse passo a passo podemos acabar numa dança sem fim. Só sei ouvir a canção que fala de saudade. Enquanto isso, meu bem, eu fico na janela esperando você apontar na linha do horizonte. Sorrindo e me enfeitando de luar, vou montando frases feitas e versos bobos só pra te encantar. Mas vê se não demora, meu peito já não se aguenta, de tanta vontade de te chamar de amor.

Olhos abertos pro destino

É bom sorrir sem direção, sem saber quem vai retribuir ou contribuir. No vento as folhas não têm destino e com elas deixo o meu na tempestade. Na chuva sei que liberdade se dá gelada. Na noite sei que companhia não é sinônimo de você. Já não existe dono dos meus olhos, pupilas radiantes que transbordam emoção e fazem da íris mais viva a cada verso. Meus lábios se movem a livre vontade, se contorcendo por sabe Deus quem. Algum desconhecido que ainda não tem rosto, mas um doce perfume de mistério e promessa. Sei que meu corpo não deveria balançar por qualquer um novamente, mas você me ensinou que da vida se nascem amores e que paixões não passam de convites aceitos, com ou sem expectativa. É só deixar levar, ao som do sibilar do desejo. Vai saber por onde as pernas querem caminhar, vai entender onde querem se enroscar. Nesse mundo é tudo feito pro pecado. Pobre aquele que espera do amor a santidade e a castidade das ações e das palavras.

Partes

Neste momento eu passaria pela fechadura da porta se nela coubesse. Cada buraco nessa história me mata por ser grande demais para me oferecer soluções e pequeno demais para me ajudar na fuga. Entendo de felicidade, mas é grego em se tratando da nossa. Por cada passo que abrimos lado a lado e cada conversa torta que marcaram bilhetes, paredes e sons, me diga o que fazer agora. No desembaraço dos personagens e da trama me vejo rodando pelo palco sem saber a hora da fala nem do gesto. Perdida, correndo por lugares que não conheço, esperando por abraços que não confortam e vivendo uma vida em pedaços. Pedaços dele, do outro, daquele e de mim. Me diga como juntar as partes, preciso mais do que nunca de um inteiro.

A última leitura

Percebo o abraço de despedida em carne viva. Gritando por cada poro está meu desespero para que fique, me aperte e se jogue comigo nesse chão gelado que precisa de calor. Entendo que seus anseios são maiores que o brilho dos meus olhos e que seus olhos já não enxergam os meus anseios. Mas queria que seus sapatos não soubessem mais o caminho para fora desta casa. Entre cada linha torta dessa sua vida está uma certa por onde passeio. Nesse caso, entre perfeição, ortografia e lágrimas, retiro acentos e a pontuação já não faz mais sentido, só torna mais ofegante decifrar suas várias vontades e os meus tantos desejos.

Dias intermináveis

Ainda descubro o que me arranca dos dedos as palavras que rodam desconexas pelos diálogos e pensamentos nas situações mais conturbadas. Alguém tem me tirado os pés do chão, mas tem me colado ao solo logo em seguida. Estou exausta de tantos prós e contras, tantas lembranças de sorrisos e fracassos.