Escurecer de novembro

O tempo escuro me diz que está chovendo, mas lá fora não há nenhuma gota que me prove de fato o que está acontecendo.
Sem entender, vejo a noite aos poucos chegando tardia e morna. Como um abraço na esperança de que tudo fique bem depois que ela se for.

A brisa

O tempo mudou. O céu clareou e trouxe com ele um elemento novo. O sol não foi novidade quando tudo começou, ele sempre aparece de uma forma ou de outra, até porque tempestades nunca duram para sempre. A novidade veio de uma brisa leve, suave, algo inquietante, malicioso, que me rondava e tocava inconveniente minha pele toda vez que eu me escorava na janela. A porta eu nem ousava abrir, não queria minhas cortinas esvoaçando nem nada caíndo pelo chão.

E todos os dias a tal brisa esperava a hora certa, a oportunidade perfeita pra aparecer e revirar meus cabelos e pensamentos. Até que aos poucos fui me acostumando com sua presença, porque ela foi ficando cada vez mais insistente e encorpada, fazendo cada vez mais estragos a ponto de me fazer notar sua presença sempre.

Comecei então a me envolver com ela, abri a porta para que entrasse e ela não só entrou como revirou tudo como eu ja esperava, mas a essa altura eu ja não me irritava com ela, muito pelo contrário, ela era mais quente, mais confortavel, ja não tocava com receio minha pele, mas me envolvia por inteiro.

De brisa faceira, vi meu novo amor se transformar num furacão, torpor de vida e sentimento que não só entrou revirando e expulsando todos os meus medos, tristezas e mágoas, mas principalmente me trouxe vida, felicidade e calor.

Hoje não vivo mais a portas e janelas trancadas, não há nada que me prenda ou motivo para que eu me prenda.

Com você aprendi a voar, obrigada A.

Em casa

É com saudade e aquele vazio no pensamento que me dou conta de ter abandonado as palavras por um longo período. Provavelmente o período mais difícil da minha vida. Digo tanto porque nunca tive que trair minhas palavras, abandoná-las por completo pra me manter viva. Uma contradição e tanto e mais ainda ingratidão com quem sempre esteve comigo nos dias dificíceis, diria até impossíveis. Mas nestes últimos meses encostar minhas palavras foi um ato necessário. Era preciso não falar, não pensar, não registrar nada que me colocasse na realidade e eu sabia que tudo o que partiria dos meus dedos seriam as mágoas e a raiva do momento. Agora parcialmente recuperada, sinto saudade, saudade imensa e tanto para dizer, tudo o que vivi em meses e não tocou a tela em branco. Tudo o que eu quis tanto contar, mas não pude, não devia. Me sinto de volta, ainda com machucados que creio irrecuperáveis, ao menos por um bom tempo, mas viva. Agora me permito novamente conviver com sentimentos, agora tenho carta branca para estar aqui.

A mentira

Os ilusionistas vivem em um mundo tenebroso e são capazes de chamá-lo de paraíso. É ser muito triste ou muito feliz. O poder da mentira é tão violento que cega até mesmo quem a conta. E é aquela história, pra mentira convencer é preciso acreditar nela pra contar.

As pessoas

Ninguém foi feito pra ser compreendido. Eu deveria começar a pensar assim finalmente. Não sou compreendida. Também não me poupam críticas. O interessante é que não se empenham em fazer melhor. Não que o que eu faço seja digno de não receber depreciações. Mas tenho pra mim que quando critico alguém, quando exijo de alguém, é porque estou assumindo minha capacidade de fazer o que peço. Aprendi com as pessoas, as poucas que tenho paciência pra analisar, que todos parecem não saber hoje o que fazer ou como agir. Uns acreditam que devem levar em consideração o próximo, outros acham que só eles mesmos são dignos de opiniões sobre suas vidas. No fim ninguém chega a lugar algum. As relações de amizade, de amor, de proximidade, de parentesco estão deturpadas. Ninguém tem certeza, ninguém consegue mais arriscar. São os dias de hoje, onde as pessoas estão perdidas, segurando muita confiaça em si próprio, e se decepcionando quando até o que se pensa não parece fazer sentido.

Sobre caminhos e razão

Talvez seja hora de acabar com isso aqui. Já falei sozinha sobre coisas que não deveriam ser ditas nem pra mim mesma. Não vale. Não serve. Não existe e não é pra mim. Fato. Escrever o que não deve ser vivido tem ajudado. Agora não parece fazer sentido. Muitas linhas de ilusão e nada a se aproveitar disso. Os sentimentos, a tal raiva, ódio e por aí vai são controláveis e manipuláveis. Basta saber o jeito certo de lidar com tudo. Existe uma simples escolha, os caminhos são dois. Usar a razão e somente a razão ou ser penetrável e se perder. Não há meio termo. E pra efeito de causa, fique com o caminho número um. O segundo não é feito para caminhar só, ou ficará cada vez mais difícil e não se chegará a lugar algum. Caso por fim acredite que alguém seguirá seus passos, fique com o dois. É que ainda não me livrei completamente da idéia de que há algo de bom por lá, mas estou providenciando isso. Razão é o que eu tinha, razão é o que tenho. Razão para não ter no que acreditar e andar onde quiser, não me importando se é o caminho um ou dois. Mas que é o meu caminho e que nele ando sozinha.

Vontades

Quero ter a tranquilidade de saber que cada singelo gesto meu não vai arder no amargo dos seus pensamentos. Porque cada passo que dou sozinha é um descompasso na alegria por não te ter por perto. Quero que teus desejos ultrapassem os limites dos teus muros e encontrem em mim onde morar. Porque as minhas vontades congelam de tristeza por não ter quem lhes acolhe. Quero por fim perdir-te que desarme tua alma, pois nela há tudo o que mais admiro e que sonho em tocar, sem pra isso ter que me matar.

Números

Não tem sentido falar de você e tão só de você. Quantas linhas gastei com amargura e dor. Rabiscos de fim e recomeço. Todos com a mesma fórmula. Sem tirar nem por, os mesmos números e resultados. Somos indivisíveis, este sim é o resultado. Não vivemos de partes iguais e um resto. Só servimos quando juntos e assim deve continuar.

Hoje

Não me lembro mais das companhias daqueles rigorosos invernos. Dias em que abrigo servia não importava qual. Braços, conversas e calor anulavam por completo meus dilemas de menina sem juizo. Nos verões o sol apagava qualquer dor e amigos eu tinha aos montes pra não ter jamais a desculpa de não ter o que fazer. Eram dias cor de ouro com sentimentos inocentes e confortaveis. Eu gostava de tudo e todos. Hoje nada mais é assim. Os dilemas são outros e não mais passam de crises repentinas e brigas com os pais. A vida é questão principal. Escolhas, caminhos, tudo tão obscuro e sem sentido as vezes. A cabeça cansa com tantas e poucas possibilidades ao mesmo tempo. Muitos dias acordo e durmo sem querer pensar ou ao menos fazendo o possível para não pensar em nada, mas se eu não me rendo aos pensamentos, alguém vem enfiá-los na minha cabeça. Confesso que as vezes eu os enfio na cabeça de alguém em contra-partida. Mas o que falta é dividir e nada mais que isso. Hoje começo a ter medo de coisas banais como sair. Pensar em riscos nunca me passou pela cabeça anos atrás. Agora talvez posso me chamar até mesmo de responsável. Tenho respeito por mim e por quem está a minha volta. Aprendi a desconsiderar os tantos para considerar realmente os poucos e bons. Ainda sim, hoje, me sinto só. Como naquela época em que eu achava isso bom e tinha isso como escudo. Hoje, moro num cubo, continuo conversando com a tela de um objeto elétrico e rolando na cama antes de dormir. Queria não pensar tanto. Queria que ninguém esperasse nada de mim e que eu também não esperasse nada de ninguém. Em todo esse tempo aprendi a amar. Isso me faz sentir tudo o que eu não queria e o que eu queria também. Nunca fui boa com palavras nem sentimentos, mas agora consigo me achar um pouco. Sinto saudade todos os dias através dos anos de uma mesma pessoa, isso é incrível. Hoje ajo levando em conta princípios e valores mais do que os meus impulsos e meus devaneios. Acho que isso é crescer e esse é o respeito por mim e por quem amo que eu não tinha anos atrás. Engraçado como nunca nos damos conta do quanto somos idiotas com quinze anos e como todo mundo nos diz isso. Realmente o tempo é quem manda e a fisiologia humana é irritante. Digo isso porque queria todos os hormônios e neurônios no lugar com quinze anos. Apesar de que tudo era tão fácil naquela época que pude errar tantas vezes consecutivas e sair inteira. Hoje erros são fatais, escolhas interferem numa vida inteira e talvez em outras também. Sei que minha vida é tranquila e não devo reclamar de nada. Precisei apanhar um pouco pra entender isso e colocar em pratica tanta paciência. Mas trabalho pra que essa calma seja mantida e tenho me sentido infinitamente melhor com meus filmes, poucos telefonemas, muito chá, poucas visitas, pouco barulho e tudo mais. Quero continuar assim, apesar de sentir falta e como sinto de quem amo. Com ele por perto barulho, conversa, companhia e carinho nunca são demais. Ele é a bagunça da minha vida. O que não consigo organizar. E com meu senso doentio de organização, isso me custa muito. Mas já aprendi também a lidar com isso e hoje me policio pra não aumentar essa bagunça. É como morar a dois, você aprende a conviver com defeitos, manias e detalhes. Hoje sei conviver com o que me irrita, sei ter paciência e não me falta amor. Só me falta ele. Sempre me falta um pouco dele. Espero um dia não precisar sentir tanta saudade. Em mil palavras está aqui um resumo do que fui e do que sou, mais do que sou na verdade. É isso, já fui confusão, erros, impuslos e frieza. Hoje sou cuidado, acertos e amor. Tudo em doses balanceadas. Mas confesso que não tem sido fácil e muitas vezes nem recompensável. Mas o melhor disso quem colhe sou eu mesma e isso me basta. Sorrir hoje já basta.

A lógica do nada

As palavras que saem de você não são as mesmas que seu inconsciente projeta.
Traíndo a si e a mim, caminhamos aos trancos.
Sempre parando, sempre errando.
As desculpas brotam como cura, apesar de nada cicatrizar.
Tenho nítido ainda os restos de cada 'adeus'.
Todos inúteis, todos em vão.

Planos tortos

A salvo de qualquer estratégia falha, coloco minha cabeça em lençóis brancos e me disfaço em lembranças e visões. Não há o que me arrepender e pouco quero deixar desaparecer.Os anos que se foram eram livres, fáceis e mansos. Nada a temer, nada a arriscar e sempre alguém querendo dar a vida por um sorriso meu. Era divertido adivinhar o destino e mordiscar os acontecimentos. Hoje não há quem fique lado a lado. As vidas são singulares e distantes. Tudo e todos parecem desaparecer aos poucos. Chega então o momento que pensei nunca viver. Agora quero tanto tocar o futuro de alguma forma. Descobrir se nele há algo que me prenda. Finalmente quero companhia de alguma forma. E o querer se desdobra em planos tortos e não convenientes. Eu gostaria de dividir sorrisos e planos. Gostaria de preencher espaços. Gostaria que alguém também o quisesse. Uma vida sem amanhã não é uma vida interessante.

O estranho

Vagava silencioso pela rua trazendo a noite e as horas com seus passos. Encontrava o poste e nele ficava escorado a faiscar seu cigarro. Sabe-se lá quantos cigarros sublimavam naquelas noites. Por trás das cortinas eu ficava a admirar qualquer movimento aflita e curiosa. Mas ele não se movia, nada de gestos ou sons. Apenas o corriqueiro, os cigarros, as faíscas, as roupas balançando com o vento e o rosto nas sombras. Enquanto o medo e o desejo ardiam em meus olhos, nada parecia acontecer com ele. Só nunca entendi, por que sempre vagou na minha rua, por que sempre fitou estático minhas cortinas, mas principalmente por que nunca bateu à minha porta.

Partida

Foi-se. Com a quietude com que chegou. A mesma timidez que banhava salgada meu território. Um oceano entre nós. Um mar multicolorido de lembranças, agonias e palavras ditas e não ditas. Não encontro discurso algum que me faça acreditar que você não está mais aqui em mesmo solo, apenas em pensamentos. Nossas tantas fantasias e personalidades agora acenam inconsoláveis. Remoendo o fim que mal pôde ser um fim. Vou sentir sua falta.