O rascunho do fim

Sempre olhando nos seus olhos.
Desejando que eles se demanchem pelos meus.
Nunca vejo nada além de uma apatia evidente.
Sinto gelada a sua respiração.
Percebo inválida a minha imaginação.
Vejo o quadro borrar as próprias tintas.
Luto com as flores que secam no jardim.
Aspiro o tédio que exala de você.
Rasgando uma possível fotografia.
Desatando mãos que nunca estiveram juntas.
Sigo sobrevivendo em seu território.
Suportando a sua presença.
Pra fazer valer a minha.

Quilômetros de saudade

Ser amante.
Ser distante.
Ser errante.




"O fracasso é natural" como disse mais uns dos amigos embalados pra viagem que faço nas estradas da vida.
Eu com quilômetros de sonhos em espera.
E ele em segundos de conversa superficial destruiu tudo.
"- Que desperdício ficar tanto tempo com uma pessoa só para descobrir que ela é estranha. Espere.
- O quê?
- Não sei. Só espere. Só espere. Eu não sei. Quero que espere... um pouco.
- OK.
- Mesmo?
- Não sou um conceito, sou só uma garota ferrada procurando por paz de espírito. Não sou perfeita.
- Não vejo nada que não goste em você.
- Mas verá.
- Agora eu não vejo.
- Você vai achar coisas. Eu vou ficar entediada e me sentir presa, pois é isso que acontece comigo.
- Tudo bem.
- Tudo bem."


Ah o cinema...

Estaticidade de efeito

Engraçado quando o mundo pára e só a cabeça gira. Mais engraçado ainda é ter passado pela sua cabeça "coisa de bêbado" enquanto está lendo. Mas não... Descobri que a cabeça gira e o chão sai do lugar sem álcool no sangue. Não sei se agradeço pela sensação ou me aborreço pela situação. Só sei que mais uma noite sem sono segue ainda infantil. Amanhã o dia vai nascer contrariado nem que eu tenha que queimar o céu inteiro pra conforto próprio e adequação de personagens ao cenário. Amanhã as tão fofas nuvens não vão passar de cinzas.

Sol e vinho

Larga essa taça de vinho
Já estamos rodando faz um bom tempo
O dia vem nascendo
E você segue murchando

Agora eu visto as cores quentes do raiar
E você se encobre com o entardecer
Quando durmo você acorda
E assim seguimos nessa dança de roda

Larga essa taça de vinho
Já estamos rodando faz um bom tempo
O dia vem nascendo
E você segue murchando

Larga essa taça de vinho
Rapaz, quando você vai aprender
que tristeza não varia de safra pra safra?

Os vasos

Continuar se estranhando nas calçadas não vai nos devolver a paz.
Assim como usar o corpo e deixar a alma no cabide não vai tornar a situação mais imparcial.
Por que temos que mudar a voz pra falar um com o outro?
Por que os olhos evitam o encontro enquanto as bocas tentam camuflar o não dito já tão evidente?
Deve ser burrice ou talvez orgulho demais.
Dois vasos de vidro esperando conformados a hora de tocar o chão e virar pedaços mínimos da beleza que já existiu.
Dois fugitivos amadores jurando viver sem lei.
O retrato cômico de uma realidade tola.
Quem vai dizer a hora de se entregar?
Eu ou você?
Já engatilhei e estou na metade do caminho.
Confesso que a vontade de olhar pra trás é diabolicamente irresistível.
Quase um roubar no pique-esconde anos atrás.
Mas não vou adiantar nem apertar o passo.
O tiro sendo certeiro o fim também é.

Agora

Recolhe suas alegrias.
Coloque aqui na sacola.
A gente vai dar um passeio.
Seja por areias quentes ou pedras frias.
A gente só precisa andar.
Andar e andar.

Engarrafando sonhos

Continuam me dizendo pra largar manias. Como se algum ser humano fosse certeiro ao fazer isso. Embalar hábitos não torna ninguém livre dos seus vícios ou desejos mais absurdos. Estão se valendo de argumentos tocantes a primeira vista. Cantarolam sonhos, descrevem aspirações, colocam pra fora um ser ufanista que garanto que nunca viram como estou vendo. Um ser que brota pela boca e morre ao tocar o ar. De que vale senhores e senhoras toda essa paixão fulminante pela "grande realização" sendo que ao estufar o peito a magia começa a desaparecer? A realidade que entra nos pulmões sufoca ao invés de acalmar. É... Essa é a fumaça do nu e cru que existe diante de todos nós. E assistindo a essa mesma cena várias e várias vezes, claro, com protagonistas diferentes, me pergunto. Tudo fica nessa espectativa futura? É assim que se motivam a viver? Quantas manias e pequenos prazeres precisam morrer para que não se desvie da rota do seu grande sonho? E pra que tanta euforia se no mesmo instante o banho de realidade é gelado? Me desculpem, mas prefiro sonhar todos os dias e saborear cada pequena realização como se fosse a primeira e última. Porque sonhar grande e viver uma vida regrada não é pra mim. Se todos precisam necessariamente ter um grande sonho, então o meu é realizar todos os meus pequenos até o dia da minha morte. Sonhos não são vinhos. Eles não são mais valorizados com o tempo e nem ganham mais sabor. Pelo contrário... São esquecidos e o gosto é cada vez mais amargo.

Noite sem voz

Desconfiado ele pensava. Sob a chuva fina e congelante ele ponderava. Já não ligava para o filete de água que escorria pela testa. Já não fazia questão de saber se o céu só estava escuro por causa do tempo de luto ou se estava realmente cedo demais para o sol. Não queria se atrever a olhar as horas. Ele buscava qualquer forma de diluir o sal das espaçosas lágrimas com a chuva, mas parecia impossível. A chuva varria a rua, quase silenciosa, como se apenas não quisesse deixá-lo sozinho. E ele ignorava sua presença. Ignorava qualquer possibilidade de sedução. Pouco importava a dança da água que caia ou a forma como acariciava suas costas. Ele estava apático, vivendo aquele como se fosse o último dia da sua existência. Concentrado em não se concentrar. Fadado ao conformismo. Não passava de um homem vestido de menino olhando sem focar a grama brilhante onde seus pés se acomodaram por horas. Ele esperava. Esperava pelo fim da tempestade. Esperava que não fosse verdade. Esperava que pudesse conviver. Esperava que pudesse esquecer. Amansado pelo cansaço ele admitiu que conversar com o pai nunca tinha sido tão difícil em toda sua vida. Simplesmente porque dessa vez não passou de um monólogo. Inevitavelmente a primeira de muitas vezes em que falaria sem resposta.

E quem não faz isso?

Eu conheço as suas fraquezas.
Eu ornamento os seus desejos.
Destruição angelical.
Alegria pessoal.

Escrevendo o segundo.

Efeitos estimulantes e descargas de obviedades se somam numa contradição constante resultando num tédio sem começo nem fim. Acho isso engraçado, mas não muito fácil de entender. Então não queiram que eu me explique bem. Me sobra escrever com ar de confusão mental e satisfação sensorial. Provavelmente o objetivo subjetivo, se é que me entendem, é só registrar um momento peculiar de um dia tão pacato. Então que assim seja.

Pra não dizer que não falo de mim

Deixem as capas para os heróis.
Deixem os discursos para os confiantes.
Eu não tenho com o que aparecer.
Nem preciso de uma estátua no meio de uma praça.
Sou a vida na sua simplicidade.
Não quero ser lembrada.
Ser pendurada na parede ou viver de boca em boca.
Quero mais é descanso...
Quero mais é viver e morrer.
Morrer apenas.

Companhia

Traz mais uma cadeira
Senta que o teto é firme
Nenhum dilúvio derruba a gente
Enquanto isso solta seu verbo
Fala da vida na gota de chuva
Que eu te conto um pouco do mundo
Um pouco do mundo
Um pouco de tudo

Rascunho

Naquele canto tem espaço sobrando.
Naquele sonho tem alguém faltando.
Sinto falta de alguma coisa.
Alguma coisa sem nome...
Alguma coisa que eu quero tanto...
Alguma coisa que um dia se chamará você.

Fim da chuva

Longe vai o som dos seus sapatos no asfalto molhado.
Sente a brisa que o tempo vem trazendo.
Não é boa hora para ir embora.
Volta com o sol.
Fica mais um pouco.
Que eu te faço um chá.
Te trago um calor inventado.
Num cobertor de amor.