Recaída estrelada
Hoje perdi a cabeça e me perdi com ela. Um banho de idéias lavou minha mente e secou ao tocar o real. Apaguei cada impulso, um por um como quem coloca a igreja pra dormir. Alguns frouxos me escaparam disfarçados de palavras desconexas. Se fizeram sentido pra quem menos poderia fazer eu não sei, mas foi faísca suficiente pra acender uma fogueira. Espero que o fogo dure até amanhã já que vai ser a única companhia desta noite. Estrelas brilham no teto do meu quarto, mas elas se juntam pra me dizer que estou enlouquecendo. Sorrio enquanto contemplo, tremo enquanto penso. Por fim desisto de sensiblizar a situação. Venho tentando me convencer de que a razão pode me libertar. Ainda estou relutante como podem notar, mas nada que eu não consiga. É questão de tempo. É sempre ele quem manda pelo visto.
Samba no lago
Vou dançando a música certa com passos errados. Feito cisne, meio pato sigo leve a bailar. Não me intimido com os curiosos nem me perco nos tropeços. Trançadas vagarosas e cheias de graça trazem a tona esse meu samba sem raiz, que tímido, vai levantando poeira no coração de quem assiste.
Conversando sobre o conversar
Entendo que a vida em cinza tem seus efeitos colaterais. Eu gosto do meu chá a luz de janelas e gosto do quase sono a base de buzinas inquetas. Mas ando refletindo mais sobre o meu cotidiano. Ponderando condutas e colocando as manias na mesa, ja que assim prefiro dizer. Descubro nisso tudo mais sobre o que sou. Algo que me soa engraçado a primeira vista. Digo de passagem que adoro descobrir coisas novas sobre o meu eu, quase uma terceira pessoa quando colocada nessa situação de exploração. É uma externalização que me diverte bastante e rende noites acordadas e sabores mais fortes às refeições. O caso em questão trata das minhas conversas com as pessoas em geral. Eu que sempre fui satisfeita com a minha condição mundo da lua sinto falta de estar com os pés no chão às vezes. Nunca fui de sorrisos desnecessários ou palavras frouxas, que escapam da boca sem importar o conteúdo ou o receptor. Continuo assim. Fria como muitos dizem, Alheia como outros preferem e normal como eu entendo. O contato ou uma conversa prolongada ainda me assustam. Com mais de duas pessoas ao mesmo tempo então! Deus me livre! Acho complexa a interação em si. Não sei se devo olhar diretamente nos olhos, se posso ou não piscar, se passar os olhos pela boca é indevido, se olhar pros lados pareceria desdenho, se desistir quando está chato explicitamente faria de mim uma pessoa medonha e por aí vai. Não sei. Somam-se perguntas e risos internos quando estou no meio de um diálogo. É minha diversão favorita, quando estou disposta a olhar o lado bom disso tudo, claro! Por que por outro lado uma simples conversa me deixa tonta. São possibilidades demais, reações físicas demais e informações úteis de menos. Engraçado como consigo me externalizar aos meus olhos, mas não em público. Mas gosto tanto disso tudo, porque quando começo a pensar na hora do ato, vejo as coisas acontecendo em camera lenta. Olhos se movendo dengosos,língua golpeando o céu da boca, mãos a se esfregar. É tudo tão bonito que me perco no assunto e fico por admirar apenas. Por fim não sei o que falei nem o que ouvi e dou início à minha fuga desajeita de cena. É o que acontece dia após dia. Uma conversa pra mim é quase um filme, com cenas fortes, imagens grandes e palavras, muitas já surradas, outras novas e fascinantes. Como todo filme, as vezes gosto, as vezes não. Será que mais alguém nesse mundo encontra tanta euforia num diálogo? Acredito que não. Mas volto ao início deste texto, mais especificamente quando falei da falta que sinto de estar mais perto do chão. As vezes cansa toda essa observação constante. É estranho pensar e ver as coisas tão diferente da maioria e com tanta força.O meu "jeito desajeitado" como acaba parecendo me incomoda um pouco. Minha diversão poderia se estender aos outros. É chato brincar sozinha. Enfim... Basta. Já analisei demais e já cansei de falar sobre. Ainda bem que escrever é sempre um monólogo, assim consigo manter o foco e a paciência.
Inimigos a meios lençóis
Ele vive para ostentar suas armas. Com seu sorriso de ponta cabeça, quer me mostrar alegria. Um sorriso cerrado, com mais aura de raiva que de ternura. Insiste em explicar que o tempo é maior que eu, assim como qualquer coisa que se coloque na sua frente. Ressalta arquivos mortos e parte para a guerra. Ele com sua artilharia imponente e eu com minhas palvras embaixo do braço. Não vou levantar bandeira branca, nem vai brotar nele um sentimento de misericórdia. Então que venham ventos negros. No fim veremos de quem é a maior força: A sua para destruir ou a minha para reconstruir? Garanto que estarei em pé muito antes de você.
A travessia
Parada em frente à porta não consigo tocar na maçaneta. Fitá-la é como fogo ardente que gela meu coração em contrapartida. Num arrepio que começa na cabeça e se espalha como seiva até os dedos, me vejo tomada por uma ansiedade nada comum. Seu casaco ainda pendurado na entrada me faz acreditar que ele ainda está quente. Mas não ouso mais que supor. Lá fora a luz brilha forte, mas assusta pela beleza. Ela destemida perfura vãos na madeira e se joga no chão ao meu lado em fragmentos brilhantes e sutis. Talvez seja um sinal de que tudo fica bem do outro lado.
De mala pronta
Alienação opcional é o que escolhi por uns tempos. Trabalhar sem pensar no fim de semana. Dormir sem pensar no sia seguinte. Sair de casa sem pensar na volta. Levo o mundo no bolso e deixo as lembranças em cima da mesa. Na mala não cabem sorrisos alheios. Só os meus.
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