Noite sem voz
Desconfiado ele pensava. Sob a chuva fina e congelante ele ponderava. Já não ligava para o filete de água que escorria pela testa. Já não fazia questão de saber se o céu só estava escuro por causa do tempo de luto ou se estava realmente cedo demais para o sol. Não queria se atrever a olhar as horas. Ele buscava qualquer forma de diluir o sal das espaçosas lágrimas com a chuva, mas parecia impossível. A chuva varria a rua, quase silenciosa, como se apenas não quisesse deixá-lo sozinho. E ele ignorava sua presença. Ignorava qualquer possibilidade de sedução. Pouco importava a dança da água que caia ou a forma como acariciava suas costas. Ele estava apático, vivendo aquele como se fosse o último dia da sua existência. Concentrado em não se concentrar. Fadado ao conformismo. Não passava de um homem vestido de menino olhando sem focar a grama brilhante onde seus pés se acomodaram por horas. Ele esperava. Esperava pelo fim da tempestade. Esperava que não fosse verdade. Esperava que pudesse conviver. Esperava que pudesse esquecer. Amansado pelo cansaço ele admitiu que conversar com o pai nunca tinha sido tão difícil em toda sua vida. Simplesmente porque dessa vez não passou de um monólogo. Inevitavelmente a primeira de muitas vezes em que falaria sem resposta.