Hoje

Não me lembro mais das companhias daqueles rigorosos invernos. Dias em que abrigo servia não importava qual. Braços, conversas e calor anulavam por completo meus dilemas de menina sem juizo. Nos verões o sol apagava qualquer dor e amigos eu tinha aos montes pra não ter jamais a desculpa de não ter o que fazer. Eram dias cor de ouro com sentimentos inocentes e confortaveis. Eu gostava de tudo e todos. Hoje nada mais é assim. Os dilemas são outros e não mais passam de crises repentinas e brigas com os pais. A vida é questão principal. Escolhas, caminhos, tudo tão obscuro e sem sentido as vezes. A cabeça cansa com tantas e poucas possibilidades ao mesmo tempo. Muitos dias acordo e durmo sem querer pensar ou ao menos fazendo o possível para não pensar em nada, mas se eu não me rendo aos pensamentos, alguém vem enfiá-los na minha cabeça. Confesso que as vezes eu os enfio na cabeça de alguém em contra-partida. Mas o que falta é dividir e nada mais que isso. Hoje começo a ter medo de coisas banais como sair. Pensar em riscos nunca me passou pela cabeça anos atrás. Agora talvez posso me chamar até mesmo de responsável. Tenho respeito por mim e por quem está a minha volta. Aprendi a desconsiderar os tantos para considerar realmente os poucos e bons. Ainda sim, hoje, me sinto só. Como naquela época em que eu achava isso bom e tinha isso como escudo. Hoje, moro num cubo, continuo conversando com a tela de um objeto elétrico e rolando na cama antes de dormir. Queria não pensar tanto. Queria que ninguém esperasse nada de mim e que eu também não esperasse nada de ninguém. Em todo esse tempo aprendi a amar. Isso me faz sentir tudo o que eu não queria e o que eu queria também. Nunca fui boa com palavras nem sentimentos, mas agora consigo me achar um pouco. Sinto saudade todos os dias através dos anos de uma mesma pessoa, isso é incrível. Hoje ajo levando em conta princípios e valores mais do que os meus impulsos e meus devaneios. Acho que isso é crescer e esse é o respeito por mim e por quem amo que eu não tinha anos atrás. Engraçado como nunca nos damos conta do quanto somos idiotas com quinze anos e como todo mundo nos diz isso. Realmente o tempo é quem manda e a fisiologia humana é irritante. Digo isso porque queria todos os hormônios e neurônios no lugar com quinze anos. Apesar de que tudo era tão fácil naquela época que pude errar tantas vezes consecutivas e sair inteira. Hoje erros são fatais, escolhas interferem numa vida inteira e talvez em outras também. Sei que minha vida é tranquila e não devo reclamar de nada. Precisei apanhar um pouco pra entender isso e colocar em pratica tanta paciência. Mas trabalho pra que essa calma seja mantida e tenho me sentido infinitamente melhor com meus filmes, poucos telefonemas, muito chá, poucas visitas, pouco barulho e tudo mais. Quero continuar assim, apesar de sentir falta e como sinto de quem amo. Com ele por perto barulho, conversa, companhia e carinho nunca são demais. Ele é a bagunça da minha vida. O que não consigo organizar. E com meu senso doentio de organização, isso me custa muito. Mas já aprendi também a lidar com isso e hoje me policio pra não aumentar essa bagunça. É como morar a dois, você aprende a conviver com defeitos, manias e detalhes. Hoje sei conviver com o que me irrita, sei ter paciência e não me falta amor. Só me falta ele. Sempre me falta um pouco dele. Espero um dia não precisar sentir tanta saudade. Em mil palavras está aqui um resumo do que fui e do que sou, mais do que sou na verdade. É isso, já fui confusão, erros, impuslos e frieza. Hoje sou cuidado, acertos e amor. Tudo em doses balanceadas. Mas confesso que não tem sido fácil e muitas vezes nem recompensável. Mas o melhor disso quem colhe sou eu mesma e isso me basta. Sorrir hoje já basta.