Concentração
A apatia está de volta na sua melhor forma. Olhos de vidro fosco e ouvidos tampados para qualquer movimentação. Dispensando agasalhos e conversas, os cafés também serão solitários. É a preferência de quem se rende ao relógio e aos próprios passos, sem desejar qualquer faísca de destino durante o dia.
Visita
A porta se abre e aí está você, meio desarrumado com cheiro de chuva a me olhar. Um tanto calado esperando que eu leia em seus olhos as palavras que você já não sabe pronunciar. Perdemos segundos estudando um ao outro como se nos preparássemos para o ataque. Sem ação, enquadrada no corredor, sei que o tapete vermelho sob seus pés não diz que é rei. Meu rei, mas sim divindade prestes a pecar, levando consigo minha pureza e rigidez.
Sobre realidade
Sem fantasias, sem suspiros. Nesse mundo já não vingam anjos nem demônios. Feito chão de terra seca onde não nasce planta nem água. Cansei do verbo acreditar. Não há meio mais seguro e infalível de se punir que deixar de acreditar. Mas o bom é que a punição também tem efeito nos outros. Os incansáveis sedutores baratos que cantam dias melhores e declaram sentimentos abstratos. Tantas palavras desperdiçadas até hoje e sorrisos sem jeito de canto de boca, tantas noites mal dormidas e lágrimas amargas. E no fim, é cada um por si e ninguém é por nós. A decepção é única e nunca compartilhada. Alguém sempre sai com a mala cheia de ar puro e planos enquanto o outro fica em meio a memórias e lamentações. Nada deveria tirar do juízo real, principalmente sentimentos entre pessoas que por natureza se destroem. É melhor ser cético que acreditar na beleza de algo tão abstrato e auto-destrutivo como o tal amor.
A cidade e o fim de tarde
Cai uma chuva fina lá fora com mais ar de cortina que de cena. As pessoas caminham lentas e encolhidas, denscrentes de algum amor ou apenas vazias de idéias. Os carros se alternam em cores, tamanhos e formas. Os pombos continuam pelas calçadas a picotar tudo o que encontram. A tarde vai se consumindo lentamente, sem grandes surpresas nem personagens principais, esperando calmamente pela noite, que melancólica colocará tudo e todos para dormir.
Perdi para o tempo
Entre canecas, fumaça e livros encontro dias que começam e terminam sem meu rosto. Pouco me vejo, pouco converso comigo. Não me lembro de muitas coisas e percebo que a principal delas sou eu mesma. Terrível se desconhecer com o caminhar das semanas, meses e anos. Há um bom tempo eu não gasto meu tempo com sorrisos, dormir sem hora, comer chocolate na panela, sentir o vento ou qualquer coisa que pareça idiota a primaira vista, mas que hoje são lembranças boas e já insuportáveis por serem apenas lembranças.
Manhã de segunda
Estremecem as nuvens gordas no céu de hoje. Nada como uma chuva delicada e gelada pra renovar meus dias já tão parados. O vento não é mais o mesmo e eu também deixei de ser quem me deitei na cama ontem a noite. Engraçado como tudo muda num instante, incluindo roupas, formas, sonhos e sentimentos. Hoje estou cinza e radiante. Adoro opostos e sempre fui um tanto quanto contraditória. Não fosse o portunhol do onibus tentando disfarçar cantadas, eu diria que hoje tinha tudo pra ser melancólico. Mas tudo começou bem e o dia se levanta pra mais uma semana de encontros e desencontros meus comigo mesma.
Ultimato
Entenda caro rapaz, que ela não é capaz e nem pretende viver a sua vida.
A moça não tem os seus lábios secos nem os olhos opacos que você ostenta.
Saiba que ninguém é feliz negando a si mesmo um pouco de felicidade.
Escute com atenção rapaz, as flores que você nem se lembra chegam aos montes na porta dela.
Os suspiros que ela lhe reservava já não tem destino certo.
E quem perde nisso tudo não é a moça, que nada quer além de braços firmes e beijos doces.
Mas sim você, que cultiva o gosto amargo no fundo da língua e esconde lágrimas atrás de um discurso machista.
O futuro não lhe reserva uma cama vazia pela lei natural.
Você, muito conformado com o quanto é desgastante entendê-lo, se isola no tal mundo solitário que criou.
Rapaz, abra seus olhos e peito pra sorte que bate há um bom tempo em sua porta.
Ela não costuma voltar e quando parte não olha pra trás.
É apenas mais um ultimato de alguém que lhe estima.
Alguém que veste mil faces pra ser exatamente o que você precisa e que neste momento não passa de um idoso tentando lhe aconselhar sobre coisas que você ainda nem sonha passar.
A moça não tem os seus lábios secos nem os olhos opacos que você ostenta.
Saiba que ninguém é feliz negando a si mesmo um pouco de felicidade.
Escute com atenção rapaz, as flores que você nem se lembra chegam aos montes na porta dela.
Os suspiros que ela lhe reservava já não tem destino certo.
E quem perde nisso tudo não é a moça, que nada quer além de braços firmes e beijos doces.
Mas sim você, que cultiva o gosto amargo no fundo da língua e esconde lágrimas atrás de um discurso machista.
O futuro não lhe reserva uma cama vazia pela lei natural.
Você, muito conformado com o quanto é desgastante entendê-lo, se isola no tal mundo solitário que criou.
Rapaz, abra seus olhos e peito pra sorte que bate há um bom tempo em sua porta.
Ela não costuma voltar e quando parte não olha pra trás.
É apenas mais um ultimato de alguém que lhe estima.
Alguém que veste mil faces pra ser exatamente o que você precisa e que neste momento não passa de um idoso tentando lhe aconselhar sobre coisas que você ainda nem sonha passar.
Cuidado
Ando arrancando algumas estrelas deste céu. Não faz sentindo ele brilhar tanto mais. O que vivemos hoje não merece tanta emoção, principalmente da minha parte. Já não me importo com os agrados e promessas açucaradas que dominam as telas. Não faço mais o tipo boa moça e nada tenho a completar sobre você, que nunca fez o papel de príncipe. Aturo a sua postura dominadora, e penso que você deveria ter cautela com a minha misteriosa.
O que faz aqui?
A meia luz falo de um quase romance que não teve força suficiente para crescer. Uma mentira amarga que sorria ao meu lado enquanto eu fugia pra qualquer lugar dentro de mim que ainda tivesse paz. Roubou aos poucos não só minha felicidade, mas minha casa, meus pais, minha vida inteira. Eu o ouvia sibilar ao pé do ouvido, mas todos estavam surdos para notar o perigo e mudos para me confortar. Por sorte os anos encobriram o fim e também os meios. Ainda me culpam por rir um riso malicioso frente ao desfecho. Eu no entanto não espero compreensão e não acredito que alguém retire a acusação. Ficam as meias palavras jogadas na espera de um texto firme que nunca se formou. Sobram memórias com sabor agridoce que sinceramente não consigo definir se me agrada ou me enoja. Os dias passam e suas ameaças não fazem mais sentido. Não sinto o medo, nem o frio de tempos passados. Os olhos que transbordavam tristeza e pavor ao vê-lo se aproximar não existem mais. Sinto o gosto de pena brotar na boca a cada passo que dá e olhar intimidador que me lanca. Solte suas frases prontas, elas só mostram o quanto a sua cabeça é vazia. Fale também das suas conquistas sujas, mas não pense que eu as admiro. E não me convide mais para sentar em sua mesa, acabou qualquer paciência e bons modos. Não tente me punir por isso, não temos mais as forças de antes, o jogo agora é de igual pra igual.
Estranho
Já não sei descrevê-lo,
nem mesmo sei seu nome.
Não me lembro dos traços,
nem mesmo daquele cheiro.
Você não mora mais em mim.
Ou será que eu deixei de morar em você?
Pouco importa.
O vento se encarrega de espalhar ou juntar o que tem ficado pra trás.
nem mesmo sei seu nome.
Não me lembro dos traços,
nem mesmo daquele cheiro.
Você não mora mais em mim.
Ou será que eu deixei de morar em você?
Pouco importa.
O vento se encarrega de espalhar ou juntar o que tem ficado pra trás.
Medidas
A ausência de palavras é prova incomoda de que falta ou sobra algo.
Sobra vida a cada passo que dou sozinha.
Falta vida a cada olhar que você me nega.
Sobra vida a cada passo que dou sozinha.
Falta vida a cada olhar que você me nega.
Assinar:
Postagens (Atom)