O carvalho e a borboleta
Balançando na rede de suas lembranças ela pára pra olhar seus últimos quinze meses. No início era casulo feio e gosmento colado no tronco rígido. Lentamente se rendeu à metamorfose e com sofrimento se livrou da sua prisão particular. Passou a ser vistosa dama de cores e sonhos. Voava feliz sempre retornando ao mesmo lugar, o velho carvalho. Sentia um amor infinito por ele. Queria sempre impressioná-lo com sua dança, mostrar a ele sua mimosidade e arrancar alguma reação positiva. Religiosamente ela se empenhava em hipnotizá-lo, pois tinha medo de perdê-lo para outra que se colocasse em seu caminho. Ele não esboçava afeição pela graciosa, mas exigia a constancia de suas visitas. Como se ela desse a ele um show particular que o tirasse de sua seriedade por uma fração de segundos. Drasticamente ele sempre apagava as luzes sem aviso prévio, a expulsava sem explicações e dizia que queria um tempo só. Ela se sentia cortada e mal voava de volta pra casa, sempre pensando em qual teria sido o erro da vez. Para garantir a atenção do casca grossa ela se fez palhaça, feiticeira, sábia, boneca e qualquer coisa que parecesse entretê-lo mais. Mudou tanto em pouco tempo. Moveu mundos para satisfazê-lo. E ele nem a elogiou. Tudo mudou com o tempo, menos ele. Sua casca continuava dura, suas folhas se soltavam lentas e era infestado por insetos asquerosos. A dama no auge da sua beleza e juventude sentia falta da sombra do carvalho e ainda esperava que ele sorrisse pra ela algum dia. Espera inválida e pesarosa. Tudo que ela recebia era ingratidão. O egoísmo dele a sufocava e ela aguentava como podia, sem no fim poder mais. As cores da notável de outrora foram se esvaindo, suas antenas se encurtando e suas patas se fragilizando. Logo voar já não era um espetáculo e a viagem ao carvalho deixou de ser acolhedora. Ela estava cansada dos shows e dos truques, mais cansada ainda de como tudo acabava sempre. Foi então diminuindo as visitas, se conformando com seu fim evidente. Era a solidão que escurecia suas asas e também seu coração. Seu reinado psicodélico deu espaço a trevas. E o carvalho? Ele não se moveu como já era esperado. Ficou longe chorando por dentro o que ela transbordava por fora. Dias, semanas, meses. Ela juntou tudo numa sacola e partiu. Foi para outro mundo. Preferiu não mais olhar pra trás e hesitou até mesmo em se despedir.